FALAR E FAZER: A LINGUAGEM COMO AÇÃO EM JOHN L. AUSTIN
As Contribuições Teóricas de Austin💭
A Teoria dos Atos de Fala surgiu no campo da filosofia da linguagem, tendo como base as doze conferências de J. L. Austin, publicadas sob o título How to Do Things with Words (1976). Tal contribuição gerou grande impacto na pragmática, área da linguística que investiga como os sentidos são construídos em diferentes contextos. Na perspectiva do teórico, a linguagem vai muito além de descrever o mundo, ela também realiza ações. Neste seguimento, ao falar, não apenas transmitimos informações, mas também executamos atos, como prometer, ordenar, persuadir, entre outros.
Como justificativa para o seu ponto de vista, Austin enfatizou que fenômenos como humor, ironia e subentendidos muitas vezes escapam às explicações da Fonética, Sintaxe e Semântica.
Inicialmente, a Teoria dos Atos de Fala baseava-se na distinção entre dois pares conceituais fundamentais, performativos e constativos. Sendo eles:
📢 Constativos: Enunciados que descrevem um estado de coisas e podem ser classificados como verdadeiros ou falsos. Exemplo: "O céu está azul".
No entanto, Austin percebeu que essa separação não era tão rígida, pois mesmo enunciados constatativos podem ter uma função performativa. Essa reflexão levou à formulação da Teoria dos Atos de Fala, que classifica os atos linguísticos em locucionários, ilocucionários e perlocucionários, ampliando a compreensão sobre como a linguagem funciona na prática.
🔎Ato locucionário: Refere-se ao simples ato de dizer algo, ou seja, à produção de um enunciado com significado. É o nível mais básico da fala, envolvendo a estrutura gramatical e semântica da língua.
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Exemplo: "Está chovendo." (Apenas a transmissão da informação)
🔎Ato ilocucionário: Diz respeito à intenção do falante ao proferir um enunciado. Aqui, a fala não apenas comunica, mas executa uma ação, como prometer, ordenar, advertir, agradecer, entre outras.
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Exemplo: "Feche a porta, por favor." (Não é apenas uma informação, mas um pedido)
🔎Ato perlocucionário: Refere-se ao efeito que o enunciado causa no ouvinte. Esse efeito pode ser esperado ou não, dependendo do contexto e da interpretação do interlocutor.
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Exemplo: "Está chovendo." pode levar alguém a pegar um guarda-chuva (efeito da fala no ouvinte).
Vamos praticar?
Na tirinha acima, podemos identificar os três tipos de atos de fala descritos por J.L. Austin. O ato locucionário corresponde ao que é dito literalmente pelos personagens, como quando Mafalda pergunta a Miguelito para onde ele vai tão satisfeito e ele responde que está indo buscar terra para brincar com barro.
O ato ilocucionário envolve a intenção da fala: Mafalda faz uma pergunta buscando informação, Miguelito responde informando sua atividade e, em seguida, introduz um pedido, criando expectativa sobre o que irá solicitar. No último quadrinho, ele faz um comentário humorístico ao dizer que, se eles se encontrarem depois, devem lembrar-se dele "na versão original", sugerindo que ficará tão sujo com a brincadeira que poderá ser irreconhecível.
Por fim, o ato perlocucionário refere-se ao efeito da fala sobre o interlocutor, que, nesse caso, provoca humor e surpresa tanto nos personagens quanto no leitor. A graça da tirinha vem justamente dessa antecipação cômica de Miguelito, ilustrando bem como os atos de fala operam na construção do sentido.
Figura 02: Conversa entre Mafalda e Manolito
O ato locucionário corresponde ao que é dito literalmente pelos personagens. Na tirinha, Manolito pergunta: "Ei, Mafalda, quem foi João Ninguém?", demonstrando uma dúvida sobre o termo. Mafalda, então, responde: "Ninguém, Manolito. Quer dizer, João-Ninguém significa um homem qualquer, que não é nada". Por fim, Manolito, ao perceber a confusão, reage com "Droga!... Já errei uma resposta na prova de História.", expressando frustração ao perceber que interpretou erroneamente o nome como se fosse uma figura histórica.
O ato ilocucionário se refere à intenção por trás do que é dito. Manolito, ao perguntar quem foi João Ninguém, busca obter uma informação para ampliar seu conhecimento, possivelmente para a prova. Mafalda, ao responder, tem a intenção de esclarecer, explicando que o termo "João-Ninguém" não se refere a uma pessoa real, mas a uma expressão usada para designar alguém sem importância. No entanto, a explicação gera um efeito inesperado.
O ato perlocucionário trata do efeito da fala no interlocutor. A explicação de Mafalda faz com que Manolito perceba seu erro, o que o leva à frustração. Seu último enunciado e a expressão facial demonstram sua decepção, pois ele já havia registrado a resposta errada na prova de História. O humor da tirinha surge justamente desse equívoco, pois ele confunde uma expressão idiomática com uma referência histórica. O leitor também é impactado pelo humor, percebendo como a comunicação pode levar a interpretações equivocadas.
Sendo assim...
As duas tirinhas acima ilustram de forma clara a Teoria dos Atos de Fala, ao mostrar como os enunciados vão além do sentido literal envolvendo intenções e efeitos comunicativos. Na figura 01, Miguelito utiliza a linguagem para expressar sua empolgação e criar humor com a ideia de se "transformar" ao brincar na terra. Já na figura 02, o equívoco de Manolito ao interpretar "João-Ninguém" como uma figura histórica evidencia como a linguagem pode gerar ambiguidades e produzir efeitos inesperados no interlocutor. Assim, os exemplos reforçam como os atos locucionários, ilocucionários e perlocucionários estão presentes no dia a dia e como a comunicação pode ser influenciada por fatores linguísticos e contextuais.
Referências
AUSTIN, John Langshaw. How to do things with words. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 1976.
FIORIN, José Luiz. Introdução à lingüística. São Paulo: Contexto, 2002.
PLAZA-PINTO, Joan. Pragmática. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística. v. 2. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
SEARLE, John R. Os actos de fala: um ensaio de filosofia da linguagem. Coimbra: Almedina, 1981.
SILVA, Leosmar Aparecido da. Relações entre a teoria dos atos de fala e quadrinhos humorísticos. Revista Temporis[ação], [S. l.], v. 9, n. 1, p. 114–127, 2017. Disponível em: https://www.revista.ueg.br/index.php/temporisacao/article/view/5994. Acesso em: 31 mar. 2025.
HUmm gostei. Você explica os atos de fala com as tirinhas. Parabéns!
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